Exclusivo: Galeano Fala ao SopaBrasiguaia.com
Por Fernando R. V. Fernandes - SopaBrasiguaia.com
O radialista paraguaio Enrique Galeano, popularmente conhecido como “Kike”, é, sem dúvida uma das pessoas que mais destaque teve na recente história do Paraguai.
Após denunciar o envolvimento de políticos e policiais com ilícitos na região de Yby Yaú, pequena cidade no departamento (estado) de Concepción, dominada por cartéis de narco-fazendeiros e onde, nos últimos anos, ocorreram pelo menos dez assassinatos misteriosos, Galeano foi seqüestrado por sicários e “expulso” do Paraguai, tendo sido dado como morto por um longo período.
A versão do desaparecimento, por longo tempo aceita como verdadeira pelas autoridades e, possivelmente, forjada pelos próprios responsáveis por sua expulsão, dava conta de que o radialista havia fugido do país com uma prostituta ou amante, com a qual teria sido visto em um hotel em Pedro Juan Caballero, na divisa com Ponta Porã (MS).
Após alguns contatos com parentes e amigos e 17 meses de ausência que mobilizaram o país, “Kike” foi descoberto pelo jornalista paraguaio Andrés Colmán, em São Paulo. Desde então, sua vida passou por diversas reviravoltas.
O SopaBrasiguaia.com inicia, hoje (13), a publicação da versão relatada pelo radialista, com exclusividade, em sua primeira entrevista desde sua chegada à França, onde encontra-se exilado. Para começar, um breve resumo dos fatos que culminaram com a expulsão de “Kike” de sua pátria.
De Yby Yaú Para o Brasil
Desde minha incursão na Radio Yby Yaú em 1997, comecei a fazer críticas, como cidadão, à forma de administrar os bens públicos locais e do país, assim como dos serviços públicos, dando sempre um toque irônico aos meus comentários. Pedia da polícia esclarecimento de alguns ilícitos (mortes de pessoas cuja investigação a polícia não aportava nenhum dado de esclarecimento).
Um dos pontos ressaltantes era a “curiosa” maneira como morreu Calixto Mendoza, o locutor que fazia o programa da madrugada, que oficialmente morreu em acidente, mas fortes rumores, muito bem fundamentados, indicavam que o haviam matado porque se gabava de saber muitas coisas sobre o cartel do tráfico de drogas na cidade (e o fazia a plenos pulmões em suas horas de roda de bebida), com a famosa frase “jajokuapa ningo” (“nos conhecemos todos”), que era muito usual para ele ao referir-se às pessoas envolvidas.
Daí as pessoas deduzem que ele não morreu “por acidente”, “o acidentaram”. Da investigação que pude realizar sobre o fato, soube que não andava a grande velocidade na moto, o trajeto no qual morreu não oferece nenhum tipo de perigo para uma “derrapagem fatal” e a maneira como a moto e o corpo foram encontrados deixaram em evidência que não foi um acidente. Esta informação me foi passada por testemunhas oculares qualificadas.
Galeano afirma que suas críticas tornaram-se mais duras após a eleição de Magdaleno Silva como vereador (atualmente, deputado) e do assassinato de um cidadão conhecido como “Amarilla Juruvai”, morto em sua casa por pistoleiros. Testemunhas afirmaram que os executores disseram a Amarilla que “isto é para que não comas vaca alheia”, deduzindo-se que sua morte ocorreu porque “julgaram-no” culpado de roubo de gado em uma fazenda de Magdaleno Silva.
Logo vieram a má administração da prefeitura, e prepotência e a manipulação dos cargos na supervisão da região. O uso de maquinário do MOPC (Ministério de Obras Públicas e Comunicações) para a construção da Seccional Colorada, a perseguição tenaz contra o Engenheiro Sitjar, diretor do MOPC em Yby Yaú, enfim...
A aparição de um tal Sanchez, apelido “Chaque Che” põe em evidência a “Estancia Suiza” (de propriedade do traficante brasileiro Luis Carlos da Rocha, o “Cabeça Branca”, amigo de Magdaleno Silva), com a morte a tiros de uma pessoa, em pleno dia, no terminal de ônibus, logo o seqüestro de um taxista, jovem estudante de direito, que depois apareceu morto e enterrado perto de Cerro Corá-ì, porque dizia que havia visto quem matou este homem no terminal e que era funcionário da “Estancia Suiza” (tudo indicava que o assassino tinha sido “Chaque Che”), tiroteios, balaceiras eram protagonizados sempre por ele ou por alguns outros funcionários ocasionais da Estância, quase nunca eram os mesmos, mudavam a cada mês mais ou menos.
Muitos diziam que todos eram pessoas procuradas em seu país e que vinham à Estância para esperar um tempo e voltar, ou alguns ficavam e viajavam constantemente, quase sempre logo após algum ato de violência na cidade (...) Eu sabia de muitas coisas da polícia porque andava quase todo o dia pela sede policial, seja para conseguir informações, para ligar para Asunción, para minha mãe, ou para cobrar uma publicidade. Tornei-me muito amigo de todos os policiais, muitos deles não muito, de acordo com o delegado. Pelo que me contavam coisas, por exemplo, de que sempre avisavam aos que seriam procurados ou cujos domicílios seriam investigados...
Segundo Galeano, havia também na cidade um esquema de lavagem de dinheiro, que fazia uso de guias de transporte de gado, das quais bandidos “legalizavam” seu dinheiro com venda de gado, mas, “na realidade, nunca existiu nem o gado, muito menos a venda, mas havia a prova fiscal do ato comercial”. O radialista aponta ainda que...
A máfia de Yby Yaú se trata de um pequeno grupo de pessoas que alicia a população local para colocá-los no poder, para poder tirar proveito desse poder, como a impunidade, a lavagem de dinheiro, o roubo de gado, o contrabando e o tráfico de drogas, assim como a execução sumária de pessoas que 'incomodam' ou sabem mais do que deveriam saber.
Foi por denunciar esta máfia que Galeano passou a ser perseguido. Ao ter sido chamado para fazer manutenção em uma antena parabólica na “Estancia Suiza”, o radialista desconfiou do tratamento que lhe era dispensado pelo homem que, apesar de se dizer o novo dono do local, não tinha acesso à sede da Estância. Alguns dias depois, o delegado de polícia da região compareceu à casa de Galeano e o alertou de que havia uma ameaça contra ele.
Galeano recusou-se a deixar o local onde morava, de modo que alguns policiais foram destacados para cuidar de sua segurança pessoal. Por meio de seus contatos, o radialista descobriu que, dias antes, havia ocorrido uma “reunião” da máfia local, na cidade de Pedro Juan Caballero, na qual os mafiosos decidiram eliminá-lo, por conta de suas denúncias. A proteção policial a “Kike” durou apenas seis dias. Após a ameaça de morte, até mesmo seu trabalho nas rádios ficou prejudicado. No dia 04/02/2006 o radialista foi seqüestrado por homens que o levaram para território brasileiro.
Levaram-me num ônibus até Presidente Prudente (SP). Ali me largaram depois de outra série de torturas e aviso de que não aparecesse nem falasse. Eles discutiam entre eles, eu não cheguei a entender muito do que diziam, mas o maior parecia decidido a liquidar-me, mas o mais jovem era o que tinha a voz de comando e me largaram ali. Depois de uma caminhada dolorosa, com o pé ferido, chego até um posto de combustível, onde peço 'carona' e digo que me roubaram a mochila, para justificar que não levava quase nada. Um motorista me levou até o mercado municipal de São Paulo, de lá fui até a 'Praça da Sé' e ali dormi a primeira noite.
Amanhã, no SopaBrasiguaia.com: a dura vida de “Kike” Galeano na metrópole paulista.
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